quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Revitalização dos Cinemas

Por Mario Pellegrini Cupello *

Foi para mim uma dupla alegria ao ler o artigo intitulado “Em 35 mm”, de autoria de Jota Dangelo,¹ publicado em 26/05/2007 na Gazeta de São João del-Rei, importante Jornal que recebi, recentemente, em Valença RJ onde resido, por gentileza do amigo Dr. José Antônio de Ávila Sacramento, Presidente do IHG dessa belíssima Capital Brasileira da Cultura 2007.

A primeira alegria foi em saber que São João del-Rei – nas palavras de Jota Dangelo – “não só ganhou mais uma sala de projeções cinematográficas no novo Shopping da cidade, como teve reformado, completamente, o velho Glória que, desde 47, serve aos aficionados da sétima arte”. Nesse sentido, parabenizo ao articulista e ao Sr. Wellerson Itaborahy, conhecido como Lilinho, pela divulgação e preservação de um importante valor cultural para as cidades deste País, que foi o Cinema e suas salas de projeção.

Quantas gerações se encantaram com as grandes produções cinematográficas vindas de Hollywood, além de produções francesas, italianas e brasileiras, que atraíam o público nas décadas de 40 até ao final de 1960, como uma das melhores opções de lazer! A partir daí, e do surgimento da televisão com suas novelas e filmes, os Cinemas ficaram relegados a um segundo plano. O surgimento e desenvolvimento da tecnologia digital tornaram difícil a sobrevivência das grandes salas de cinema. Houve, de fato, um salto tecnológico fantástico, porém com prejuízo para o glamour e o lirismo que era assistir a um “filme em tecnicolor”, em um amplo salão de Cinema, com tela panorâmica, poltronas estofadas, ar condicionado e uma excelente sonorização. Tal era o requinte, que em alguns deles só se entrava trajando paletó. Por isso, quem é da minha geração sente tristeza ao ver os prédios onde funcionavam as Salas de Projeção, transformados, com raras exceções, em estacionamentos para veículos, igrejas evangélicas ou utilizados como supermercados.

A segunda alegria ao ler aquele artigo, foi ver a citação do nome de meu saudoso tio, Francisco Cupello. Ele foi um grande empresário, notadamente na área da cinematografia, que chegou a possuir 40 cinemas em nosso País, localizados nos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Era o famoso “Circuito Cinematográfico Glória”, cuja sede ficava em Valença RJ, onde seu primeiro Cinema foi inaugurado no ano de 1946, com o nome de “Cine Theatro Glória”, em homenagem à Padroeira de Valença, Nossa Senhora da Glória. Por esse motivo, muitos cinemas da “Empresa F. Cupello e Cia. Ltda.” receberam o nome de Cine Glória, como ocorreu em São João del-Rei MG, com o seu Cinema, hoje sexagenário e felizmente restaurado.

A vida de Francisco Cupello por suas extraordinárias vicissitudes, tanto na Itália, quando ainda jovem, quanto no Brasil, pelo exemplo de persistência na realização de seus sonhos daria, sem exageros, um filme de longa metragem. No Brasil, além de distribuidor e produtor cinematográfico (financiou e produziu três filmes), empreendedor na área da construção civil e em inúmeras outras diversificadas atividades econômicas, dedicou-se à literatura ao escrever o Livro “Memórias de um Imigrante”, onde abriu seu coração e sua alma sem tristezas ou ressentimentos por uma vida de sacrifícios.

Originário da Itália chegou ao Brasil em 1927 com apenas 16 anos, com o coração apertado por deixar o seu País, que atravessava uma enorme crise econômica como conseqüência de uma guerra que deixou a Itália em estado lastimável. Também meu pai, Antonio Cupello, tal como milhares de italianos que se radicaram no Brasil, fez o mesmo um pouco antes, em 1923, para tentar uma vida melhor no que, felizmente, foi bem sucedido. A história de qualquer imigrante é quase sempre permeada de uma enorme tristeza por sair de seu País, às vezes pobre e só, na esperança de uma vida melhor, enfrentando uma aventura em direção ao desconhecido, em um país estrangeiro do qual não conhece o idioma, sem ter certeza de um trabalho para sua subsistência. Talvez tenha sido com esses temores que Antonio e Francisco Cupello chegaram ao Brasil, sem imaginar que seriam muito úteis ao País que os acolheu.

Esse enorme contingente de italianos, com a sua força de trabalho, ajudou o Brasil em seu desenvolvimento econômico além de enriquecer nossa cultura com suas músicas líricas e populares, sua gastronomia e sua contagiante alegria. Tenho orgulho de minha ascendência!
A biografia de Francisco Cupello (1911/1979), rica em sua essência, é um exemplo de honestidade, persistência, dedicação ao trabalho e amor ao Brasil, qualidades que o tornaram um empresário bem sucedido, sem que jamais perdesse a simplicidade e o respeito ao próximo. Amou tanto o Brasil que se nacionalizou brasileiro por decisão pessoal, sem nunca esquecer suas raízes italianas.

Por isso, fiquei feliz quando Jota Dangelo fez questão de citar o nome de meu saudoso tio Francisco Cupello, ao resgatar a memória do Cine Glória, nessa encantadora cidade que eu e minha esposa aprendemos a querer bem. Em São João del-Rei temos fortes laços culturais e de amizades, há mais de 15 anos. Recentemente, o Instituto Histórico e Geográfico e a Academia de Letras de SJdRei, homenagearam a mim e à minha esposa, que é Presidente da Academia Valenciana de Letras, com os honrosos títulos de Membros Correspondentes das duas Instituições. Sempre seremos gratos por esta generosidade. Estreitando, ainda mais, nossos laços culturais, ambos os Presidentes dessas duas instituições, também são Membros do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto, que fundamos em Valença RJ, em 1990.

Francisco Cupello, no entanto, antecedeu-nos em algumas décadas na “terra onde os sinos falam”, ao levar a cultura cinematográfica aos são-joanenses, desde o ano de 1947. Consta em seu livro de memórias que além da construção do Cine Glória, ele reformou, completamente, o Teatro Municipal de São João del-Rei. O apreço pela cultura parece, portanto, ser uma tradição familiar.

Hoje a cidade de Valença possui uma Sala de Projeções cinematográficas, que mantém o mesmo nome de Cine Glória, e se localiza no mesmo prédio onde funcionou o primitivo Cine Theatro Glória, que ainda conserva a sua fachada primitiva.

Em Valença, como em dezenas de outras cidades, o cinema, em passado não muito distante, cumpriu um papel polivalente, pois além de suas funções precípuas, recebia artistas de renome nacional e internacional, em concertos e representações teatrais, além de ser palco para festas de formatura e grandes solenidades públicas.

O cinema, felizmente, continua vivo. Temos notícias de algumas cinematecas, espalhadas pelo País, que preservam a memória de importantes acervos cinematográficos. Algumas Salas de Projeção estão sendo restauradas e devolvidas ao público.

Para aqueles que cultuam a “sétima arte”, entre os quais me incluo, é sempre motivo de alegria saber que em algumas cidades, como São João del-Rei, ainda existam pessoas com sensibilidade, como Lilinho, Jota Dangelo e tantos outros, que se interessam em manter viva esta chama de amor pelas Salas de Projeções Cinematográficas. Parabéns a eles e à Capital Brasileira da Cultura 2007!

Artigo publicado no Jornal “Gazeta de São João del-Rei”


NOTA DO AUTOR


¹ Transcrevo abaixo o citado artigo de Jota Dângelo, por expressa autorização do seu autor:
Em 35 mm

Jota Dângelo

A cidade precisa aprender a ter ogulho de algumas relíquias que possui e às quais não dá a importância que devia. Quando, nas cidades do interior, e mesmo nas capitais, cinemas estão fechando as portas, graças ao espírito indômito e à paixão arrebatadora de Wellerson Itaborahy, o Lilinho, pelo cinema, São João del-Rei não só ganhou mais uma sala de projeções cinematográficas no novo Shopping da cidade, como teve reformado, completamente, o velho Glória que, desde 47, serve aos aficionados da sétima arte.

O advento do videocassete, primeiramente, e depois do DVD, transferiu para as locadoras um número considerável de clientes que antes eram frequentadores assíduos dos cinemas. As distribuidoras também viram, na cessão de direitos de exibição dos filmes para as televisões, um negócio mais lucrativo do que fazer milhares de cópias para distribuir para os municípios do país. Daí para o fechamento das salas de projeção foi um átimo. A maioria das cidades de médio porte não possui mais cinemas. São João del-Rei não só resiste, abre mais uma sala de projeção. E, para quem gosta realmente de cinema, DVD, mesmo em tela plana de 50 polegadas, não é a mesma coisa que assistir à projeção de um filme num cinema de verdade. Ali há todo um ritual que precede o início do filme, os trailers, o apagar das luzes, a pipoca, os drops comprados nos baleiros ou no balcão do saguão.

Lilinho me enviou uma preciosidade: o folder de inauguração do Cine Glória, em 21 de agosto de 1947, construído pela Empresa F. Cupello & Cia. Ltda, de Francisco Cupello e do Dr. Gabriel Martins Vilela. O Glória, portanto, é sexagenário. Pelo documento histórico tomei conhecimento de que sua construção começou em 45, no mesmo local onde existira o Cine Pavilhão, de vida efêmera, do qual ouvi falar na minha infância. As solenidades de inauguração foram transmitidas pela ZYI-7, Rádio São João del-Rei, na voz de um locutor da Rádio Globo, do Rio de Janeiro, Celestino Silveira. O ato de inauguração foi feito pelo jornalista José Belini dos Santos, diretor de "O Diário do Comércio", que muito contribuiu para a realização da obra, e que entregou ao Sr. Prefeito Municipal as chaves do Cine Glória para que Sua Excia. o franqueasse ao público.

O programa da sessão inaugural, gratuita, respeitada a ortografia, era o seguinte:

Cine Jornal Brasileiro nº 8 x 49

Fox Movietone – Atualidades

Dois no céu (filme da Metro) - Trailer

Aqui começa – Short (Paramount)

Às 19 horas: A Universal apresentará "o majestoso filme em tecnicolor" VIVO PARA CANTAR, com Deana Durbin

Preços: poltronas Cr$3,00 Estudantes Cr$1,50


Velhos tempos. Lilinho, saudosismos à parte, está mantendo a tradição. São João del-Rei não ficará sem cinema, se depender dele. O que não é só raro, mas milagroso, hoje em dia. A cultura agradece.




* Mario Pellegrini Cupello, natural de Valença RJ, é Arquiteto (Universidade do Brasil) e Bacharel em Direito (Faculdade de Direito de Valença – FAA). Possui Pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior (UFRRJ). Ex-Professor das seguintes instituições de Ensino Superior: Professor Adjunto da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense; Professor Titular da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Valença (hoje ISE); Professor da Faculdade de Arquitetura da Fundação Rosemar Pimentel (hoje UGB); e Professor Titular da Faculdade de Filosofia da Fundação Rosemar Pimentel (hoje UGB). É Presidente do Instituto Cultural Visconde do Rio Preto (instituição que criou em Valença juntamente com sua esposa Elizabeth Santos Cupello, em 1990) e Membro Efetivo da Academia Valenciana de Letras (Cadeira 31 patronímica de Alberto Santos Dumont), onde é Secretário-Geral (desde o ano de 2001), sendo o Redator Chefe do “Informativo AVL”, que circula mensalmente desde o ano de 2003. Mais...

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