quinta-feira, 30 de junho de 2011

Propostas de alteração na denominação da Associação e Instituto de Estudos e Pesquisas Nhá Chica e de ações concretas


Por Francisco José dos Santos Braga *


Ilmo. Sr. Wainer de Carvalho Ávila

DD. Presidente da Associação e Instituto de Estudos e Pesquisas Francisca Paula de Jesus (Nhá Chica)


Venho à presença de Vossa Senhoria apresentar uma proposta de mudança na denominação da Entidade que Vossa Senhoria preside e, consequentemente, nos fins da Entidade. Isso eu o faço através de uma Exposição de Motivos.


Em seguida, apresento duas sugestões visando ao início imediato de ações concretas da Associação, a saber:


1. abraçar a realização do 1º SEMINÁRIO SOBRE A INTERNACIONALIZAÇÃO DO TURISMO EM SÃO JOÃO DEL-REI E ENTORNO

2. encampar a promoção do 1º ENCONTRO DE ESTUDOS SOBRE NHÁ CHICA, “A SANTA DO RIO DAS MORTES”, NO CONTEXTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL.


EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS


Segundo o artigo 44 do Código Civil, as associações e as fundações são pessoas jurídicas de direito privado e se enquadram como instituições próprias do Terceiro Setor. Elas estão aptas a contrair direitos e obrigações legais, além de ter autonomia protegida constitucionalmente. Em comparação com as associações, as fundações obedecem a critérios mais rigorosos para sua constituição, funcionamento e extinção.


As associações são constituídas por um grupo de pessoas que objetivam um determinado fim não lucrativo, podendo ser social, educacional, assistencial, ambiental, entre outros. São caracterizadas por não distribuir ou dividir entre os integrantes os resultados financeiros. As associações são regidas por um estatuto social, podendo haver ou não capital no ato da sua constituição. As rendas provenientes da atividade desenvolvida são destinadas a finalidade descrita em seu estatuto.


O artigo 53 do Código Civil assim define as associações:


"Art. 53 - Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único – Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.”


E o seu artigo 54 trata do estatuto dessas associações, verbis:


Art. 54Sob pena de nulidade, o estatuto das associações conterá:

I - a denominação, os fins e a sede da associação;

II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados;

III - os direitos e deveres dos associados;

IV - as fontes de recursos para sua manutenção;

V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos;

VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução;

VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.”


Ou seja, o funcionamento das associações é regido pelo estatuto que regula os direitos e deveres da instituição e de seus associados. O estatuto também define os órgãos institucionais, como conselho fiscal, assembleia geral e a gestão da entidade. As associações devem continuamente observar a legislação vigente para eventual adequação a novas normas.


Entre os pontos fortes das associações são citados os seguintes:

- facilidade de constituição, procedimentos mais simples, menor burocracia;

- inexigência de patrimônio prévio;

- maior flexibilidade para se organizar, e eventualmente alterar seus estatutos e missão programática;

- maior autonomia.


Isto posto, eu, na condição de membro do Conselho Editorial da Associação e Instituto de Estudos e Pesquisas Francisca Paula de Jesus (Nhá Chica) ¹ e sob o amparo do art. 20 do Estatuto da referida Instituição, venho pela presente manifestar minha preocupação quanto à necessidade urgente de se fazerem algumas modificações já na denominação da Entidade são-joanense, como a de incluir os qualificativos EDUCACIONAL E CULTURAL, com alteração correspondente no objeto da referida Entidade, atendendo a sugestão da equipe de apoio do circuito turístico religioso Caminho Nhá Chica e Padre Victor-CNCPV (que endosso). Deste modo, fazendo essa pequena alteração na denominação da Entidade são-joanense, estaríamos possibilitando a entrada dessa Entidade não só na área do trabalho com turismo (aqui incluídos os vários segmentos: de saúde, cultural, de aventura, rural, ecológico, de compras, religioso, de estudos e intercâmbio, comunitário, etc.), artesanato, gastronomia, formação para o trabalho (condutores turísticos, por exemplo), empreendedorismo, incubadora de cooperativas, etc., mas também nos editais do Fundo Estadual de Cultura-FEC, Lei Estadual de Cultura, etc. Aproveito o ensejo para sugerir a correção do nome de Nhá Chica, que, conforme os melhores autores, é Francisca DE Paula de Jesus. Consequentemente, a nossa Instituição passaria a denominar-se Associação Educacional e Cultural e Instituto de Estudos e Pesquisas Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica).


O Ministério do Turismo, em parceria com a Brazilian Educational and Language Travel Association-BELTA e Instituto Casa Brasil de Cultura (ICBC), realizou, em São João del-Rei, o Seminário de Apresentação do Projeto Destinos de Referência em Segmento Turístico - Turismo de Estudos e Intercâmbio.

A iniciativa é parte do piloto PROBEI - Programa Brasileiro de Educação Internacional e tem o apoio das instituições de ensino superior são-joanenses, bem como da Prefeitura Municipal de São João del-Rei. Importa ressaltar que São João del-Rei já se tornou um destino-referência para o Ministério do Turismo no segmento “Turismo de Estudos e Intercâmbio”.


Além disso, cabe destacar que o próprio Ministério de Turismo preconiza que se deve conjugar o segmento do turismo religioso com outros segmentos (por exemplo, de aventura, ecológico, rural, cultural, de eventos, de estudos e intercâmbio, etc.). E isso aqui em nossa região é perfeitamente possível com o segmento religioso. Que São João del-Rei saiba tirar muito partido dessa imensa possibilidade que está aí para ser explorada e gerar tanto emprego quanto renda!


Conforme QUEIROZ, “o Brasil, em toda sua imensa extensão territorial, é uma nação pluricultural principalmente pelas diversas etnias que o formaram. (...) E a manifestação dessa identidade se revela através do nosso Patrimônio Cultural que não se restringe somente aos bens culturais móveis e imóveis, representantes de nossa memória nacional e protegidos por leis e instituições governamentais. Nosso patrimônio vai muito além da matéria, se fazendo presente em outras tantas formas de expressão cultural de nossa sociedade, de norte a sul do país. Essa herança imaterial se manifesta na interação de nossa gente com o ambiente, com a natureza e com as condições de sua existência. É a alma de nosso país expressa através dos saberes, celebrações e formas de expressão de nosso povo, “materializados” no artesanato, nas maneiras e modos do fazer cotidiano de nossas comunidades, na culinária, nas danças e músicas, rituais e festas religiosas e populares, nas relações sociais de uma família ou de uma comunidade, nas manifestações artísticas, literárias, cênicas e lúdicas, nos espaços públicos, populares, coletivos.²


Tendo em vista o lançamento oficial (em 21 de abril de 2011 em Campanha) e a divulgação do novo circuito turístico religioso (Caminho Nhá Chica e Padre Victor-CNCPV) estabelecendo São João del-Rei como marco zero, já está na hora de nossa cidade resgatar o seu importante papel histórico de formulador e promotor de políticas públicas, diante das inúmeras ações confluindo para um mesmo ponto, a saber: a INTERNACIONALIZAÇÃO DO TURISMO EM SÃO JOÃO DEL-REI. É chegada a hora de nossa Associação “Educacional e Cultural” Nhá Chica promover a realização do 1º SEMINÁRIO SOBRE A INTERNACIONALIZAÇÃO DO TURISMO EM SÃO JOÃO DEL-REI E ENTORNO, conforme sugestão (que endosso) do são-joanense Marcos Resende, em comentário a um dos meus textos no Blog de São João del-Rei. Esse Seminário se destinaria a ouvir a população, colher sugestões, promover diálogos entre setor público e privado, visando à expansão do Terceiro Setor em nossa região. Conforme disse Sandro Menezes, de Belo Horizonte, em outro comentário, "São João del-Rei tem todas as condições para assumir um protagonismo como porta de entrada para muitos turistas estrangeiros que se dirigem para essa região do Estado de Minas Gerais, com os mais variados segmentos de turismo. É urgente que todos os setores da sociedade são-joanense comecem a dialogar e se articular."


Igualmente, fica desde já colocada a sugestão do infra-signatário de que nossa Associação “Educacional e Cultural” Nhá Chica realize o 1º ENCONTRO DE ESTUDOS SOBRE NHÁ CHICA, “A SANTA DO RIO DAS MORTES” NO CONTEXTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL. Recomendo especificamente o envolvimento de turmas de estudantes em História, de forma a produzirem trabalhos acadêmicos em nível de Mestrado e Doutorado sobre os temas relacionados ao circuito turístico religioso CNCPV. Acho que abrir espaço para o tema "Educação Patrimonial" no contexto em que esses estudantes vivem pode daí surgir uma nova postura em relação ao ambiente em que interagem, transformando-o.


QUEIROZ entende que, “através da Educação Patrimonial, o processo de ensino e aprendizagem pode ser dinamizado e ampliado, muito além do ambiente escolar onde toda uma comunidade pode estar envolvida. Pode tornar-se um instrumento a mais no processo de educação que colabore com o despertar de uma consciência crítica e de responsabilidade para com a preservação do patrimônio – em toda sua expressão – e a percepção da relação entre esse com sua identidade pessoal e cultural. Assim, ao acionarmos este instrumento de ação, iremos ao encontro do pensamento de Paulo Freire, buscando uma alfabetização cultural que capacite o educando a compreender sua identidade cultural e a se reconhecer, de forma consciente, em seus valores próprios, em sua memória pessoal e coletiva. (...)

Ao observarmos o próprio entorno em que estamos atuando e a cultura local com sua rica diversidade, podemos estabelecer vínculos importantes no processo educacional do grupo ao qual estaremos em contato (e consequentemente em nós), pelas chaves que eles mesmos nos oferecem. A realização do trabalho de Educação Patrimonial necessariamente envolve vários saberes, num processo primeiro interdisciplinar que pode extrapolar seu cerne e evoluir para uma proposta transdisciplinar.³ (grifos meus)


Cabe aqui relatar um exemplo muito enriquecedor da aplicação de educação patrimonial ao ambiente em que vivemos. O circuito turístico religioso CNCPV fez uma parceria interessante com a Escola Estadual Evandro Ávila, sediada no Distrito do Rio das Mortes, neste ano de 2011, desenvolvendo um projeto-piloto chamado “Estandartes de Nhá Chica”, com enorme repercussão, conforme Patrícia da Matta Machado e eu testemunhamos no artigo denominado “Celebração do Aniversário de Nascimento de Nhá Chica, em São João del-Rei, MG: Patrimônio cultural local”. Quando lá estive com o Padre André e Lúcio Goulart, de Campanha, no dia 30 de maio, tivemos a curiosidade de ouvir os alunos de uma das classes iniciais, escolhida randomicamente, e tomamos conhecimento do enorme interesse de todos pela sua ilustre cidadã. Para nossa surpresa, todos, sem exceção, tinham ouvido falar de Nhá Chica e mais da metade da classe tinha ido de ônibus a Baependi visitar a casa em que vivera Nhá Chica, o seu túmulo e o Santuário de Nossa Senhora da Conceição, dando uma demonstração dos bons resultados de uma “alfabetização cultural”. Ali presenciamos a ocorrência de uma autêntica educação patrimonial.


Acho que essa experiência merece ser estendida a outros educandários da nossa região altamente privilegiada em patrimônio móvel e intangível, reforçando uma relação estreita entre escola e patrimônio cultural. Claro que deve ser feita alguma inserção e/ou modificação na grade curricular dos estabelecimentos de ensino, possibilitando que essa interface ocorra.



¹ Para maiores informações sobre a referida Associação são-joanense, queira reportar-se às matérias postadas in http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/05/sao-joao-del-rei-se-organiza-civil-e.html e http://caminhoncpv.blogspot.com/2011/06/sao-joao-del-rei-e-as-acoes-pro.html


² QUEIROZ, M. N.: A Educação Patrimonial como Instrumento de Cidadania, in

http://turmadovitalzinhomineirodacampanha.blogspot.com


³ QUEIROZ, M. N.: ibidem.


In http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/05/celebracao-do-aniversario-de-nascimento.html e

http://caminhoncpv.blogspot.com/2011/05/celebracao-do-aniversario-de-nascimento.html



Sendo o que tinha para essa Exposição de Motivos, subscrevo-me,


Atenciosamente,


Francisco José dos Santos Braga

Membro do Conselho Editorial da Associação e Instituto de Estudos e Pesquisas Francisca Paula de Jesus (Nhá Chica)




* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

terça-feira, 14 de junho de 2011

Notícias sobre o projeto Circuito Caminho Nhá Chica e Padre Victor - Circuito CNCPV




Por Francisco José dos Santos Braga *


- Artigo publicado na Folha do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, ano I, junho/julho de 2011, p. 2.

Hoje se comemora o 116º aniversário do falecimento de Nhá Chica. Em memória dessa despedida da vida terrena de sua filha ilustre, o Distrito do Rio das Mortes viveu um dia todo especial. Apesar do frio intenso que prejudicou o afluxo de um maior número de pessoas, às 8 horas da manhã, cerca de oitenta pessoas, a grande maioria do próprio Distrito, fizeram uma caminhada até o sítio onde nasceu Nhá Chica (Porteira dos Villelas), rezando terços durante todo o percurso. Lá chegando, o andarilho e cidadão do Distrito, Murilo de Sousa Cabral, tomou a palavra e concitou todos os presentes a edificar uma capela naquele sítio sagrado, entre outras abordagens que fez sobre a importância da data.
Consta que um lauto almoço foi oferecido pela equipe do Centro de Saúde do Distrito em praça pública, próximo ao coreto, em frente da nova Capela de Santo Antônio.
Consta ainda que, às 19 horas, houve missa concelebrada com grande participação popular.
Meu informante é o advogado e procurador no processo de registro civil (tardio) da Nhá Chica, Dr. Wainer Carvalho Ávila que esteve presente à caminhada matutina. Lamento não ter participado da comemoração solene por me achar a 900 quilômetros da localidade de nascimento da "santa", mais exatamente na Capital Federal.

Isto posto, passo agora ao tema da presente matéria. Muitas pessoas que têm feito comentários aos meus artigos sobre Nhá Chica solicitam maiores detalhes e descrição do projeto denominado Circuito turístico religioso Caminho Nhá Chica e Padre Victor, ou simplesmente Circuito CNCPV. Por isso, o que vem abaixo busca elucidar algum aspecto que porventura tenha ficado obscuro nas minhas explanações anteriores sobre o referido projeto.

Na Quinta-feira Santa deste ano, durante a Missa da Santa Ceia do Senhor, na Catedral Diocesana de Santo Antônio, em Campanha-MG, o Circuito CNCPV foi oficializado por Dom Frei Diamantino Prata de Carvalho, Bispo Diocesano da Diocese de Campanha. ¹

O projeto do referido Circuito CNCPV foi elaborado pela consultora em patrimônio cultural e pesquisadora Profª Cristina Souza Krauss Serrano, que possui formação em Administração, História e Arte. Apresentado à Diocese de Campanha, foi aprovado e oficializado, tendo sido abrigado pela Fundação Cultural Educacional Diocesana Nossa Senhora do Carmo, presidida por Pe. André Luiz Cruz, o qual, em companhia do Sr. Lúcio Goulart, diretor da Rádio Diocesana, veio até a Cúria Diocesana de São João del-Rei para estreitar laços de amizade entre as duas Dioceses (de Campanha e de São João del-Rei), visando a sua concretização. O referido encontro ocorreu em 30 de maio em clima de harmonia e fraternidade, presidido pelo Bispo Diocesano de São João del-Rei, Revmo. Dom Frei Célio de Oliveira Goulart, acompanhado de dois assessores sacerdotes. Ficou decidido que haveria uma reunião entre os Bispos de Campanha e de São João del-Rei, na semana seguinte em Belo Horizonte, com a finalidade de produzirem uma pauta de ações conjuntas e compartilhadas.

O roteiro proposto para o Circuito se apóia num percurso relacionado com os já consagrados "santos" pela devoção popular, porém ainda em processo de beatificação pela Igreja, a saber: Nhá Chica e Padre Victor, já declarados Veneráveis, a primeira em 14 de janeiro e o segundo em 13 de maio de 2011.

O itinerário do Circuito já se constitui, por si só, em patrimônio cultural, uma vez que, há mais de 100 anos, é percorrido por fiéis, quer em peregrinações, quer em romarias, motivados pelo conhecimento e pela imitação de vida e obra dos dois “santos”. Também o roteiro do Circuito é um percurso rico em patrimônio natural (matas, lagoas, rios, cavernas, etc.). ²

Os seguintes marcos já foram definidos para o Circuito:
Marco zero – São João del-Rei, por ser “cabeça” da Comarca do Rio das Mortes na época do nascimento de Nhá Chica, e por ser a Capela de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno filial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, onde se encontra o assentamento do batizado de Nhá Chica datado de 26 de abril de 1810, conforme o Livro de Assentamentos de Batizados de 1808-1818
Marco um – Distrito do Rio das Mortes, onde nasceu a Nhá Chica
Marco dois – Baependi, onde viveu Nhá Chica perto de 75 anos de “vida solitária, para melhor praticar a caridade e conservar a fé cristã”, vindo a falecer em 14 de junho de 1895
Marco três – Campanha, onde nasceu Padre Victor em 12 de abril de 1827
Marco quatro – Três Pontas, onde passou Padre Victor 53 anos de sua profícua existência terrena, vindo a falecer em 23 de setembro de 1905

Padre Victor (1827-1905)
 Nhá Chica (1810-1895)


O projeto é o resultado da implementação de um planejamento integral nesse referido recorte espacial visando conhecer e apresentar de maneira eficaz o conjunto do patrimônio cultural (patrimônio natural, patrimônio urbanístico, patrimônio arquitetônico, bens móveis, bens integrados, patrimônio documental e patrimônio imaterial) dessas localidades-referência, bem como do entorno, ligado ao roteiro traçado.

O referido Circuito CNCPV se coaduna perfeitamente com o novo Plano Nacional do Turismo (PNT 2011-2014), já que se propõe a valorizar, destacar e divulgar as especificidades do patrimônio cultural nessas localidades-referência e entorno, não só para mineiros e brasileiros, mas também para estrangeiros. Além desses objetivos mais gerais, propõe-se mais especificamente a realizar ações calcadas num turismo de base comunitária e permeadas pelos princípios da economia solidária. Está sendo providenciado o levantamento dos atrativos turísticos (atrativos naturais, atrativos culturais e atrativos religiosos), entretenimento, artesanato, gastronomia, hospedagem, serviços de apoio, utilidade pública.

A equipe de apoio do projeto considera importantes parceiros os seguintes: universidades, institutos federais, SEBRAE, SENAC, SENAR e SESC, embora esteja aberta à participação de formadores de opinião e agentes multiplicadores individuais ou institucionais.

Vejamos então aquilo no projeto que mais nos diz respeito, a nós são-joanenses e habitantes do Distrito do Rio das Mortes. O projeto do Circuito como tal estabelece a valorização do patrimônio cultural, o turismo de base comunitária e a economia solidária. Quanto aos dois primeiros itens, devo mencionar que praticamente TUDO NO DISTRITO DO RIO DAS MORTES É PATRIMÔNIO CULTURAL (imagem de Santo Antônio, pia batismal, grupo de congada com 337 anos de existência, banda de música com 115 anos, livro da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno do início do século XVIII, os sítios arqueológicos donde nasceu Nhá Chica (Porteira dos Villelas) e da antiga capela onde foi batizada às margens do Rio das Mortes Pequeno, a festa do padroeiro Santo Antônio, a Estrada Real que corta o “arraial”, a produção artesanal de sabão-de-bola e de bolinhos de feijão, apelidados “tijucanos”, etc.).

Cumpre lembrar que todas as manifestações culturais ao longo do Circuito são de extremo interesse. Cabe aqui destacar a "Festa de Santo Antônio": trata-se de patrimônio intangível/imaterial da localidade onde nasceu Nhá Chica (nesse caso, como padroeiro) e onde nasceu Padre Victor (Campanha). Todos os BENS CULTURAIS são ATRATIVOS TURÍSTICOS, por excelência, sobretudo para os turistas do CNCPV, uma vez que um de seus pilares é a valorização do patrimônio cultural. ³

Quanto ao último item (economia solidária), acho que o projeto contempla e enfatiza devidamente o ARTESANATO, considerado nos seus aspectos de patrimônio cultural e de geração de emprego/renda. O que deve nos preocupar, enquanto administradores públicos e responsáveis diretos pelo resultado do projeto, é como incorporar elementos do patrimônio cultural local (patrimônio cultural, urbanístico, arquitetônico, bens móveis e integrados, patrimônio documental e patrimônio imaterial) à produção artesanal.

A Portaria nº 29 de 5 de outubro de 2010 editada pela Secretaria de Comércio e Serviços-SCS do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior-MDIC padronizou e fixou os parâmetros que vão nortear as políticas públicas nas esferas federal, estadual e municipal para o artesanato brasileiro, desenvolvidas pelo referido Ministério. O referido documento define conceitos básicos do artesanato, tais como artesão, artesanato, trabalhos manuais e arte popular. A conceituação de base de dados busca coletar informações sobre o setor artesanal e viabilizar o cadastro nacional integrado dos artesãos. O texto foi publicado no Diário Oficial da União de 6 de outubro de 2010.

Em outro item, a portaria descreve quais as formas que os trabalhadores do artesanato e artesãos podem usar para se organizarem. O documento ainda esclarece a funcionalidade do artesanato em conceitos como: adornos e/ou acessórios, adereços, fios e tecidos, decorativo, educativo, lúdico religioso/místico, utilitário, profano, lembranças/souvenirs. O critério de tipologias, conforme o tipo de matéria-prima utilizada pelos artesãos, também foi descrito na referida portaria.

A questão do artesanato precisa ser tratada com muito esmero. No Circuito já se adota a portaria oficial do governo federal quanto ao tema “artesanato”, sendo enfatizado bastante o ARTESANATO COM REFERÊNCIA CULTURAL, que imaginamos seja um dos maiores potenciais do Distrito do Rio das Mortes.
A classificação, bem como a organização dos "arranjos produtivos locais" (os assim chamados “clusters”) deverão sempre seguir a Portaria nº 29/2010 .

Para isso, é urgente a necessidade de listar os artesãos locais, especialmente os do Distrito do Rio das Mortes, conforme a matéria-prima utilizada na confecção da obra de arte, a saber:
argila: cerâmica, louça, porcelana, mosaicos;
pedra: santaria, joalheria, movelaria, cantaria;
metais: ferraria, serralheria, ferramentas, utensílios;
vidro: vitrais, mosaicos, embalagens, bijoux;
gesso: modelagem;
parafina: modelagem;
fibras: tapeçaria, cestaria, movelaria;
fios: tecelagem, rendas, bordados, tricôs, crochês;
madeira: marchetaria, lutheria, marcenaria, santaria, escultura;
cascas e sementes: permacultura;
couro: sapataria, selaria;
chifre e osso;
: tecelagem;
penas e plumas;
resíduos, etc.

Na Diocese de Campanha há o Conselho Diocesano de Ação Social (CODIAS), cujo assessor Pe. José Roberto de Souza é pároco de Baependi, diretamente responsável pela organização, pela formação dos artesãos e pelas interfaces com o Circuito. Seria desejável que todas as localidades-referência envolvidas possuíssem o seu assessor para assuntos referentes ao artesanato para o Circuito, para que houvesse ações coordenadas nessa área. Assim, os planos referentes à produção artesanal, patrimônio cultural e turismo seriam discutidos e implantados de forma coordenada.

Sobre a questão da "internacionalização" do Circuito e como muitos especialistas têm observado, o Circuito apresenta todo o potencial para se tornar um "Caminho de Santiago Brasileiro", oferecendo geração de emprego e renda para muitos, o que coaduna com a missão de vida de Nhá Chica, "mãe dos pobres", e Padre Victor, "pai dos pobres".

Vou aqui reproduzir texto muito esclarecedor de um artigo elaborado por Lara Lanna Caldeira Brant sobre o tema da internacionalização:

A Ópera Romana Peregrinações (Opera Romana Pellegrinaggi), órgão do Vicariato de Roma responsável pela promoção de peregrinações e por orientar fiéis romeiros de todo o mundo, incluiu o Brasil na rota do turismo religioso mundial. O órgão assinou acordo com o Ministério do Turismo brasileiro em 14 de setembro de 2010, no Palácio do Vicariato, na Cidade do Vaticano.

Os primeiros roteiros estão privilegiando capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, as cidades históricas mineiras e, principalmente, o Santuário de Aparecida. Mas além delas, o administrador da Ópera Romana Peregrinações, Padre Caesar Atuire, já foi apresentado a mais opções por todo o Brasil pelo Ministério do Turismo. O impacto em relação a esse acordo deve ser mesmo sentido em junho de 2011, no próximo JOSP Fest (Journeys of the Spirit Festival, Festival das Jornadas do Espírito), evento promovido pela Opera Romana e dedicado a operadores e agentes de viagem e a romeiros e peregrinos.

Sobre o motivo do acordo, Padre Caesar declarou que a Santa Sé quis estabelecer parceria com o Brasil porque se trata de um país que oferece oportunidades únicas para se conhecer a experiência humana, já que em seu território se pode encontrar pessoas de várias raças e culturas.

E por esse motivo, o CIRCUITO TURÍSTICO - CAMINHO NHÁ CHICA E PADRE VICTOR - cuja operacionalização se apóia no seu rico e diversificado patrimônio cultural (patrimônio natural, patrimônio urbanístico, patrimônio arquitetônico, bens integrados e móveis, patrimônio documental, patrimônio imaterial) se configura, por excelência, num destino turístico com todos os requisitos para agradar ao turista, peregrino, romeiro estrangeiro.” ⁴

Gostaria de terminar este meu texto, com um poema de Carlos Drummond de Andrade e um motto do poeta português Fernando Pessoa.

Em 1956, Cândido Portinari pinta 21 gravuras, retratando duas personagens da literatura universal: D. Quixote e Sancho Pança. Em 1972, o poeta Carlos Drummond de Andrade lança 21 poemas alusivos às gravuras do amigo pintor, publicados com o título geral de Quixote e Sancho, de Portinari, in As Impurezas do Branco (1973). Escolhi um desses poemas, intitulado Convite à glória, que retrata o primeiro encontro dos dois, passando-se um curioso diálogo entre o fidalgo Quixote e o lavrador (convidado a ser escudeiro do fidalgo) Sancho. Nas quatro estrofes, Quixote recorre a seus próprios valores, tentando exortar o lavrador a acompanhá-lo: glória, reconhecimento histórico, grandeza humana e amor. Diante das benesses oferecidas, Sancho repete sempre a negativa: E de que me serve?, transparecendo a oposição entre os ideais de ambos. Entretanto, no momento em que Dom Quixote lhe diz que, se dispuser a acompanhá-lo, “bem podia o acaso que do pé para a mão ganhasse alguma ilha, e o deixasse por governador dela”, a reação do lavrador é bem outra, a saber:

— Juntos na poeira das encruzilhadas conquistaremos a glória.
— E de que me serve?

— Nossos nomes ressoarão nos sinos
de bronze da História.
— E de que me serve?

— Jamais alguém, nas cinco partidas do mundo,
será tão grande.
— E de que me serve?

— As mais inacessíveis princesas se curvarão
à nossa passagem.
— E de que me serve?

— Pelo teu valor e pelo teu fervor
terás uma ilha de ouro e esmeralda.
— Isto me serve.

Fiz questão de colocar esse poema no final do meu texto, como a exemplificar que, para o projeto Circuito concretizar-se, há a necessidade de uma gestão compartilhada, mesmo que em alguns pontos do seu desenvolvimento possa haver visões diferentes e divergências entre as partes envolvidas. O poeta português Fernando Pessoa se decidiu por “Navegar é preciso. Viver não é preciso.”, querendo, com esse motto, dizer que “navegar” consiste em relacionar-se com outras pessoas, outros mundos, outros mares, exigindo um conhecimento calculado, medido e previsível. Já a vida medra sob a influência do imponderável, do inexplicável e até do incontrolável: “viver” subentende introspecção, preocupação consigo mesmo e incorporação de todos os medos, sem nada de previsível. Por isso, concordo com o poeta português: navegar é preciso.


Obras consultadas:


¹ BRANT, L.L.C.: A Oficialização do Circuito turístico religioso Caminho Nhá Chica e Padre Victor in http://caminhoncpv.blogspot.com/2011/04/oficializacao-do-circuito-turistico.html

² É considerado patrimônio natural aquele formado por rios, cavernas, serras, fauna e flora de um país ou região, com significado especial e simbólico para o homem e a comunidade, que:
● exemplifique e registre a evolução geológica da terra;
● represente os processos ecológicos e biológicos da evolução e do desenvolvimento dos ecossistemas terrestres;
● represente fenômenos naturais singulares e notáveis ou de beleza natural e estética ímpares;
● exemplifique habitats naturais que garantam a conservação da diversidade biológica e/ou que abriguem espécies ameaçadas de extinção e que sejam de grande valor do ponto de vista da ciência ou da conservação.

³ Em nossos artigos temos buscado mencionar todas as “categorias” de patrimônio cultural, segundo classificação adotada pelo Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais-IEPHA/MG. Para o IEPHA/MG, vale o que está contido no item III do Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais – IPAC/MG – Plano Estadual de Inventário de Minas Gerais, onde se lê:
“O conjunto de bens culturais pode ser classificado, para fins operacionais, de acordo com as categorias abaixo relacionadas: (...)
a) Patrimônio imaterial: saberes, celebrações, expressões e lugares;
b) Patrimônio natural, incluído o espeleológico e paleontológico;
c) Patrimônio arqueológico;
d) Núcleos, sítios e conjuntos urbanos;
e) Estruturas arquitetônicas e urbanísticas;
f)  Bens integrados;
g) Bens móveis;
h) Acervos arquivísticos, museográficos e artísticos, sempre considerados em conjunto, compreendendo a identificação de acervos, fundos e coleções. No caso de inventário de objetos isolados desses acervos, a categoria adotada será a de bens móveis.”

BRANT, L.L.C.: Interesse dos turistas estrangeiros pelo Caminho Nhá Chica e Padre Victor in http://caminhoncpv.blogspot.com/2011/03/interesse-dos-turistas-estrangeiros.html

Obs. Acho importante reconhecer o crédito a inúmeras ideias da historiadora da arte Dra. Fernanda Rodrigues Scarpa, da equipe de apoio do Circuito, que muito contribuíram para a redação dessas laudas. A ela, portanto, vai o meu agradecimento caloroso.



* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Interfaces do projeto Circuito turístico religioso Caminho Nhá Chica e Padre Victor - Circuito CNCPV


Por Francisco José dos Santos Braga



Pelos comentários favoráveis referentes à minha última matéria tratando da “Associação e Instituto de Estudos e Pesquisas Francisca Paula de Jesus (Nhá Chica) de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno” (in http://saojoaodel-rei.blogspot.com/2011/05/sao-joao-del-rei-se-organiza-civil-e.html), pode-se concluir que, de fato, tal entidade, pioneira na sua missão para o organismo do Terceiro Setor, veio preencher uma lacuna que favorecerá, na região dos marcos zero e um do Circuito Caminho Nhá Chica e Padre Victor-CNCPV, não só o turismo religioso, mas também a sua internacionalização. São João del-Rei, marco zero do Circuito CNCPV, por um lado já é um destino referência para o Ministério do Turismo quanto ao segmento “Turismo de Estudos e Intercâmbio”. ¹ Nós são-joanenses também contamos com uma parceria importante, ou seja, a que foi estabelecida, em outubro de 2010, entre o Ministério do Turismo brasileiro-MTur e a agência oficial de turismo do Vaticano (Opera Romana Peregrinações).


Por outro lado, o grupo coordenador do projeto Circuito CNCPV reconhece a importância da Associação são-joanense, mas enfatiza, ao mesmo tempo, a necessidade de não nos descuidarmos de se fazerem algumas modificações já no objeto da referida entidade, como a de incluir, ainda no título da Associação são-joanense, os qualificativos EDUCACIONAL E CULTURAL, a exemplo da Fundação Educacional e Cultural Diocesana Nossa Senhora do Carmo, de Campanha, que abriga o referido projeto. Desse modo, fazendo pequenas alterações no objeto da entidade são-joanense, estaríamos possibilitando a entrada desse organismo de Nhá Chica não só na área do trabalho com turismo, artesanato, gastronomia, formação para o trabalho (condutores turísticos, por exemplo), empreendedorismo, etc., mas também nos editais do Fundo Estadual de Cultura-FEC, Lei Estadual de Cultura, etc.


A sugestão do grupo coordenador do Circuito CNCPV, se aceita na próxima reunião da Associação são-joanense, viria beneficiar principalmente a comunidade do Distrito do Rio das Mortes (marco um do Circuito CNCPV), que hoje enfrenta graves problemas sociais, a despeito de possuir uma riqueza em “patrimônio cultural ”, por exemplo, um grupo de congada denominado “Nossa Senhora do Rosário”, que é o mais antigo do Estado de Minas Gerais. Outro bem cultural —, que é um atrativo turístico por excelência, sobretudo para os turistas do Circuito CNCPV, já que a valorização do patrimônio cultural se constitui um dos seus pilares —, é a "289ª Festa de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno", cuja trezena está se realizando no "arraial" com muita pompa em honra a seu padroeiro. Acreditamos, independente de outros valores, no patrimônio imaterial representado por essas duas manifestações da comunidade local. Finalmente, o CNCPV está enfatizando com muita propriedade o artesanato com referência cultural, que, como sabemos, é outro forte potencial do Distrito do Rio das Mortes, com o objetivo de caracterizar e realçar a sua riqueza e a singularidade de seu patrimônio cultural. ²


Claro que o fluxo intenso de turistas estrangeiros nas quatro cidades envolvidas em geral, em São João del-Rei e no distrito de Rio das Mortes em particular, deverá ser contemplado nos programas de investimentos dos respectivos Prefeitos do Circuito, que precisam trabalhar intensa e urgentemente a infraestrutura de suas respectivas cidades do ponto de vista do turismo religioso, mediante especial atenção ao setor hoteleiro que carece ser ampliado e oferta de cursos na área de Turismo.


Quando fui convidado para falar sobre Nhá Chica na Rádio São João del-Rei, indicado pela Cúria Diocesana, no ultimo 13 de maio, no programa "Fala São João" de José Mário de Araújo, o ilustre radialista colocou no ar dois guias turísticos que falaram da impressionante infraestrutura existente em Fátima, Portugal. Informaram então que, naquele mesmo instante da transmissão radiofônica, havia 400.000 devotos e simpatizantes na “cova da Iria”, satisfeitos com os serviços que lhes estavam sendo prestados. Ora, imagine o leitor a dificuldade de se suprir, a tempo e horas, de alimentos e itens religiosos, além de outras espécies de serviços públicos e privados, uma população semelhante à de Juiz de Fora num determinado ponto turístico!


A localidade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno teve presença sólida no século XVIII. Na antiga capela de Santo Antônio que existiu às margens do Rio das Mortes Pequeno, cujas pedras de alicerce ainda estão vivas e a cobrar sua reconstrução, foram feitas peregrinações memoráveis. Ali se celebrou o casamento dos açorianos Diogo Garcia e uma das célebres “três ilhoas”, Júlia Maria da Caridade, em 29 de junho de 1724, bem como FRANCISCA, a Nhá Chica, recebeu o sacramento do batismo em 26 de abril de 1810, na pia de pedra-sabão que ainda hoje presta seus sagrados serviços na nova capela. ³


Às folhas 300-verso do Livro de Assentamentos de Batizados de 1810 a 1818, Tomo II, da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar encontra-se o seguinte assento:


Francª - Aos vinte e seis de Abril, de mil oitocentos e des na Cappella de Santo Antonio do Rio das Mortes pequeno Filial desta Matris de São João de El-Rei, de licença o Reverendo Joaquim Joze Alves, batizou e pos os Sanctos oleos a FRANCISCA filha natural de Izabel Maria; forão Padrinhos Angelo Alves, e Francisca Maria Rodrigues todos daquella Applicação. O Coadjºr Manoel Antº de Castro.


Na mesma capela, em 2 de janeiro de 1722, instalou-se o Compromisso da Irmandade de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, sendo Juiz o Cap. Pedro da Silva e manda que a “treze do mês de junho se celebre a festa do Bem-aventurado Santo Antônio, padroeiro desta nossa Irmandade com a maior devoção que e puder ser, a saber: Missa cantada ou rezada, sermão com sua procissão e será dada de esmola ao reverendo Vigário seis oitavas de ouro, e ao diácono e subdiácono duas oitavas de ouro a cada um”.


Auguste de Saint-Hilaire fornece dois textos de real valia para elucidação do que deve ter acontecido e transcrevemos dois excertos, o primeiro com a seguinte redação:


"Depois de me ter despedido de meu velho hospedeiro, o sr. Anjo, de sua filha D. Rita e de sua companheira D. Isabel, eu me pus a caminho. O velho Anjo chorou ao me abraçar e todos exprimiram o seu pesar com a minha partida. Anjo devia ter uns setenta anos, mas era muito ativo, ria e resmungava muito. Contudo, a todo instante dava provas da bondade de seu coração.”


Em 23 de fevereiro de 1822, voltando a São João del-Rei, o sábio pesquisador e explorador escreveu:


"Já nos aproximávamos da cidade. Nela entrando, fui à casa do vigário. (...) Deixara eu para trás meu pessoal e as mulas. Quando chegaram, fiz descarregar as cousas mais necessárias, e enviei toda a tropa para o Rio das Mortes, à casa do bom Anjo. (...)"


Já no Rancho do Rio das Mortes Pequeno, 1 légua e meia, 24 de fevereiro, registrou:


"(...) Pela noite, parti em direção ao Rio das Mortes Pequeno. (...) O velho Anjo e suas duas mulatas parecem rever-me comovidos. (...)"


Por fim, relatou a respeito da Fazenda do Ribeirão, 26 de fevereiro, 4 léguas:


"Não foi sem emoção que deixei os bons habitantes do Rio das Mortes, que também tinham lágrimas nos olhos quando nos separamos.

Achei tanta bondade nestas excelentes pessoas, durante o mês passado em sua casa, que durante todo o percurso de minha viagem delas me lembrei sem cessar. Revi-as com viva satisfação e deixei-as com novo pesar. Desta vez, precisei dizer com maior verdade ainda: Separamo-nos para sempre! Há nestas palavras algo de solene que sempre me causou profunda impressão quando necessitei dizê-las a quem tanto estimava. (...)"


O historiador são-joanense Antônio Gaio Sobrinho levanta a hipótese de que muito provavelmente a mãe de Nhá Chica (Isabel) tenha sido uma das escravas descritas por Saint-Hilaire, como “companheira D. Isabel”, pertencente ao Sr. cujo apelido era “Anjo”. Coincidentemente, o nome que aparece no assento de batismo de Nhá Chica, como padrinho, é Ângelo Alves. Logo após a morte deste em 1823, Isabel, seu primeiro filho Theotonio e Nhá Chica se mudaram para Baependi. Levanta ainda a hipótese — que não deve ser desprezada — de que Ângelo, o mesmo citado por Saint-Hilaire como "Anjo", seja o pai da menina, pois Ange, do francês, tanto pode ser tanto Anjo quanto Ângelo.


Consta ainda que, em 1888 , quando Nhá Chica, achando-se adoentada, precisou mandar redigir o seu testamento ⁶, lavrado em Baependi, e informou ter nascido no distrito de Santo Antônio do Rio das Mortes Pequeno, cidade de São João del-Rei, e mais tarde em 1894, em entrevista a Dr. Henrique Monat , em Baependi, confirmou essa informação, suscitou nos pesquisadores o interesse de localizar o seu assento de batismo.


Por volta de 1990, quando eu realizava pesquisas genealógicas no arquivo paroquial da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del-Rei, ouvi do Pároco Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva que, havia alguns anos, um desconhecido se apresentou na Casa Paroquial portando um embrulho rústico e pedindo alguns vinténs pelo objeto. Aberto o estranho pacote, verificou o sacerdote que se tratava de um livro antigo de registro de batizados — o Livro de Assentamentos de Batizados de 1808-1818 — que andava desaparecido. Examinando os assentos ali constantes, deparou-se com o de FRANCISCA, conforme transcrito acima. Imediatamente divulgou a boa nova.



NOTAS DO AUTOR



¹ Cfr. in http://www.turismo.gov.br/turismo/programas_acoes/regionalizacao_turismo/Destinos_Segmentos_Turisticos.html (vide São João Del Rey-MG, clicando em Destinos Referência)


² Aqui deve ser lembrado que o "Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Minas Gerais - IPAC/MG - Plano Estadual de Inventário de Minas Gerais" estabelece no seu item VIII que são adotados os seguintes critérios de seleção para "as formas de expressão, os modos de criar, fazer e viver, tais como:

I - Modos de fazer, técnicas e meios de produção que representem a diversidade econômica - coletiva e de subsistência - e que permitiram a mobilidade e a permanência de poopulações de diferentes origens por gerações no território mineiro;

II - Saberes, conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades;

III - Celebrações, rituais e festas que marcam a vivência coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social;

IV - Formas de expressão, pelas criações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas, as crenças e os mitos; ...".


³ Ressalte-se o fato de que tanto Júlia Maria da Caridade quanto Nhá Chica eram devotíssimas de Nossa Senhora da Conceição e, em sua honra, ambas construíram uma capela. Consta que a primeira foi quem mandou construir a Capela de Nossa Senhora da Conceição do Porto do Saco, em Carrancas-MG, localidade próxima a São João del-Rei, cuja fotografia pode ser vista in http://capitaodomingos.wordpress.com/julia-maria-da-caridade/

A segunda mobilizou a população de Baependi e redondezas para a construção da referida capela, tendo comprovadamente construído, por cerca de trinta anos, a Capela de Nossa Senhora da Conceição, dotada de grande órgão de tubos, em Baependi, que, ampliada, passou a ser conhecida como Santuário de Nhá Chica.

Completamente preservada acha-se a sua casa humilde na antiga Rua do Coqueiro, atualmente Rua da Conceição, 40, conforme pode ser vista in http://www.nhachica.org.br/sobre-a-nha-chica-casa-nha-chica.php


SAINT-HILAIRE, A.F.C.: Segunda Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo - 1822, editada pela Livraria Itatiaia Editora Ltda. com a colaboração da USP, trad. por Vivaldi Moreira, Belo Horizonte, 1974, p. 42-45 (vol. 11 da Coleção Reconquista do Brasil).


VIOTTI, J.N.; PINHO, M.C.N. e NICOLIELLO, M.J.T. (org.): "Anais - I Encontro de Estudos sobre Nhá Chica - Mulher de Deus e do Povo no Contexto da História", (compêndio de vários autores, entre os quais o historiador são-joanense Antônio Gaio Sobrinho, que foi conferencista do Encontro em 2004 e contribuiu com o artigo "São João del-Rei: Contexto Histórico-Religioso, no século XIX. Santo Antônio do Rio das Mortes. Nascimento de Nhá Chica."), Baependi: Associação Beneficente Nhá Chica. SEGRAN: 21 e 22 de maio de 2004, 114 p.


Cf. LEFORT, Monsenhor J.P.: "Nhá Chica - Francisca de Paula de Jesus Isabel", publicado pela Associação Beneficente Nhá Chica-ABNC, 6ª edição, 2010, p. 64, informando que o testamento de Nhá Chica se acha no Cartório do 2º Ofício de Baependi, caixa 35. Se efetivamente Monsenhor Lefort teve acesso ao testamento deixado por Nhá Chica, — e de fato parece tê-lo conseguido, porque trata de pormenores contidos no referido documento — não o têm alcançado outros pesquisadores, a exemplo de Dr. Wainer Carvalho Ávila, o qual foi diversas vezes a Baependi, como procurador do seu processo de registro civil tardio, em busca do tal documento e não houve meios de manuseá-lo. Caso algum leitor deste blog o tenha em seu poder, ou puder presentear-nos com uma cópia, ofereço este espaço para a publicação do cobiçado testamento de Nhá Chica, na íntegra.


Cf. MONAT, Dr. H.: Caxambu, 1894, p. 93.




* Francisco José dos Santos Braga, cidadão são-joanense, tem Bacharelado em Letras (Faculdade Dom Bosco de Filosofia, Ciências e Letras, atual UFSJ) e Composição Musical (UnB), bem como Mestrado em Administração (EAESP-FGV). Além de escrever artigos para revistas e jornais, é autor de dois livros e traduziu vários livros na área de Administração Financeira. Participa ativamente de instituições no País e no exterior, como Membro, cabendo destacar as seguintes: Académie Internationale de Lutèce (Paris), Familia Sancti Hieronymi (Clearwater, Flórida), SBME-Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (2º Tesoureiro), CBG-Colégio Brasileiro de Genealogia (Rio de Janeiro), Academia de Letras e Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei-MG, Instituto Histórico e Geográfico de Campanha-MG, Academia Valenciana de Letras e Instituto Cultural Visconde do Rio Preto de Valença-RJ e Fundação Oscar Araripe em Tiradentes-MG. Possui o Blog do Braga (www.bragamusician.blogspot.com), um locus de abordagem de temas musicais, literários, literomusicais, históricos e genealógicos, dedicado, entre outras coisas, ao resgate da memória e à defesa do nosso patrimônio histórico.Mais...