sábado, 14 de maio de 2016

TIRADENTES É SANJOANENSE


Por Luís de Melo Alvarenga



Parece incrível, mas é verdade que, mesmo depois da declaração de Tiradentes, nos autos da Devassa, de que era natural de São João del Rei, e da publicação da certidão de seu batismo, ainda se diga e afirme que Tiradentes não nasceu em terras pertencentes a São João del-Rei.

Ainda agora, no número 458, de 23 de junho de 1968, do "O Arquidiocesano", vem estampada, em sua primeira página uma imagem de N. S. da Ajuda e que tem a seguinte legenda:
"Nossa Senhora da Ajuda foi a invocação da ermida do sítio do Pombal em São José do Rio das Mortes, onde nasceu Tiradentes. De acôrdo com o costume foi Nossa Senhora da Ajuda, a madrinha do grande pregador da Liberdade."
Temos a impressão que o autor desta legenda não leu com a devida atenção o assento de batismo de Tiradentes, porque, se o fizesse, não escreveria em dois pequenos períodos essas assertivas. Pois, Joaquim José da Silva Xavier não é Tiradentino, N. S. da Ajuda não era a invocação da Capela em que foi batizado e, finalmente, Tiradentes não teve madrinha.

Vejamos o que diz o assento do batismo de Tiradentes, existente no "Livro para servir de assentos dos batizados da Freguezia de N. S. do Pilar da Vila de São João del Rei - 1742-1749".

Às folhas 151 v. está o seguinte ¹:
"Aos doze dias do mez de Novembro de mil setecentos e quarenta e seis annos, na Capella de São Sebastião do Rio abaixo o Reverendo Padre João Gonçalves Chaves capellão da dita Capella baptizou e poz os Santos Oleos a Joaquim filho legitimo de Domingos da Silva dos Santos e de Antonia da Encarnação Xavier; foram padrinhos Sebastião Ferreira Leytão, e não teve madrinha; do que fiz este assento. O Coadjor. Jeronymo da Fonca. Alz."
Pelos grifos que fizemos, verifica-se ser Joaquim José da Silva Xavier  o Tiradentes:
1º  Filho de São João del Rei, pois a Capela em que foi batizado pertencia na época à Vila de São João del Rei;
2º  Que o orago da igreja era São Sebastião;
3º  Tiradentes não teve madrinha.

Ainda não conseguimos compreender porque, depois de ter o próprio interessado  Tiradentes  afirmado ser sanjoanense e de se ter tornado público o assento de seu batizado, ainda queiram dizer que Tiradentes não é Sanjoanense.

Se a declaração do próprio interessado é mentirosa, então fica evidenciado que não tinha o menor amor a sua terra e demonstrava ser seu desejo pertencer a outra terra, por quem daria o seu coração e a sua vida.

Surgiram dúvidas se a Fazenda do Pombal, ou sua sede, pertencia na época a São João del Rei ou a São José del Rei, hoje Tiradentes.

Parece-nos também que nem mais êste argumento se pode invocar, pois já está sobejamente provado que em 1746, ano do seu nascimento, pertencia a São João del-Rei, e que o Desembargador Francisco José Pinto de Mendonça, ouvidor da comarca do Rio das Mortes, só fez a correição em 17 de dezembro de 1755, quando passou o Pombal para a jurisdição de São José, época esta em que Tiradentes já estava com mais de nove anos de idade. Acontece ainda que esta correição só poderia ter valor na parte administrativa interna da Ouvidoria, por faltar autoridade legal a um simples ouvidor mudar a demarcação de uma vila, tanto assim que já em 1760 voltava esta região a pertencer a São João del Rei.

Nossa Senhora da Ajuda foi a invocação da primeira Capela do sítio do Pombal edificada pelo capitão-mor Francisco Viegas Barbosa, lá pelos anos de 1729, e também dava nome ao local.

Parece-nos que ninguém melhor do que Tiradentes para dizer a quem pertencia o pedaço da terra em que nasceu e êle, em seu depoimento quando perguntado, assim se expressou: 
"Que se chamava Joaquim José da Silva Xavier, filho de Domingos da Silva dos Santos e de sua mulher Antonia da Conceição Xavier, natural do Pombal termo da Vila de São João del Rei, Capitania de Minas Gerais."
Ainda não conseguimos saber quais os documentos oficiais do ano de 1746, ou anteriores, se baseiam os escritores para negarem à cidade de São João del Rei a honra de ser o berço natal do Proto-mártir da Independência e da República do Brasil.

Pensamos que o principal causador foi o ilustre historiador Xavier da Veiga, quando deu parecer favorável à mudança do nome de São José del Rei, para Tiradentes, por ser, segundo êle, Pombal pertencente a São José. Mas baseou seu argumento no inventário da mãe de Tiradentes efetuado em S. José, em 1756. Mas, como já vimos, nesta época estava em vigor o ato de correição de 17 de dezembro de 1755, de valor legal um tanto ou quanto duvidoso. Mesmo tendo passado em julgado, nada prova, pois Pombal só teria sido incorporado a São José del Rei, em 1756.

Outro argumento, êste de Herculano Veloso, é que o pai de Tiradentes foi eleito vereador da Câmara de São José del Rei, em 2 de dezembro de 1754 e exerceu o cargo em 1755 e 1756. Não é um argumento convincente, pois era comum um indivíduo mudar de vereança, como já foi provado.

No caso objetivo a São José del Rei, acresce ainda que a Câmara da dita Vila vinha tentando turbar a posse legítima de São João del Rei, no tocante ao Pombal, desde 1747, ano seguinte ao nascimento de Tiradentes. Provavelmente êsse estado de coisas levou o ouvidor e corregedor, a determinar o capítulo de correição de 17/12/1755.

Brademos sempre nosso protesto e afirmemos em altos brados que Tiradentes é Sanjoanense.

Junto aos Poderes Públicos Estadual e Federal, clamemos contra o menosprêzo de São João del Rei, quando dos festejos comemorativos de Tiradentes.

Em Vila Rica se comemora a Inconfidência Mineira; façamos comemorar em São João del Rei, dia 12 de novembro, data de seu batismo, glorificando o grande sanjoanense Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes –,  assim como em todos os papéis oficiais da Prefeitura, tenhamos sempre uma frase ou dito lembrando ser Tiradentes seu ilustre filho.

Salve  Tiradentes  herói sanjoanense!


Fonte: PONTE DA CADEIA, São João del-Rei, Ano II, nº 57, edição de 7 de julho de 1968, p. 3


NOTA EXPLICATIVA


¹  O nome "Joaquim" consta na margem esquerda do assento.

 
 

8 comentários:

Francisco José dos Santos Braga (compositor, pianista, escritor, gerente do Blog do Braga e do Blog de São João del-Rei) disse...

O historiador LUÍS DE MELO ALVARENGA, intransigente defensor da cidadania são-joanense do Tiradentes, merece figurar neste Blog como uma das personalidades notáveis da cidade de São João del-Rei, que tem como objetivo principal dar-lhes visibilidade.

No trabalho postado nesta data, intitulado "Tiradentes é Sanjoanense", o historiador dirime todas as dúvidas porventura ainda existentes sobre a naturalidade do Alferes. Seu trabalho é tão conclusivo que não hesitei em utilizá-lo quando, em 1992, produzi o meu artigo, intitulado "São João del-Rei: a Terra Natal de Tiradentes", reproduzido neste Blog em 5 partes e publicado originalmente na Revista de Cultura Vozes, ano LXXXVI, janeiro-fevereiro 1992, p. 80-91, nº 1, por ocasião do Bicentenário da Morte do Tiradentes, o qual deu origem a um discurso do saudoso Senador Alfredo Campos (PMDB-MG) em Plenário (11/03/1992) e a um opúsculo intitulado "Tiradentes, Cidadão Sanjoanense (uma contribuição ao restabelecimento da verdade histórica acerca do local de nascimento do Tiradentes)", editado pela Gráfica do Senado.

Prof. Fernando Teixeira (professor universitário, escritor, poeta e Secretário Geral da Academia Divinopolitana de Letras) disse...

Como sempre, Braga, você exalta sua terra e sua gente. Parabéns. Fernando Teixeira

Dr. Lúcio Flávio Baioneta (escritor, conferencista, proprietário da Análise Comercial Ltda em Belo Horizonte e colaborador do Blog de São João del-Rei) disse...

Meu prezado amigo FJSBraga, achei incisivo o artigo "Tiradentes é Sanjoanense". As provas documentais apresentadas são inquestionáveis.
Gostaria de lhe pedir vênia para acrescentar que uma outra obra literária importantíssima dirime, de forma lapidar, qualquer dúvida que persista sobre a real cidadania de Joaquim José da Silva Xavier. Falo da obra "As Vilas Del Rey e a cidadania de Tiradentes", de autoria de Eduardo Canabrava Barreiros, patrono que é de cadeira no IHGSJDR. Faço isto por colaboração e pela grande amizade que tive ao ilustre cartógrafo, geógrafo, historiador e escritor curvelano.
Um grande abraço do Lucio Flavio

Ruth do Nascimento Viegas (presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São João del-Rei) disse...

Prezado,
Como sempre, parabenizo-o pelo belo trabalho.
Cordialmente.
Ruth.

Dr. Aristides Junqueira Alvarenga (advogado, sócio do escritório Aristides Junqueira Advogados Associados, ex-Procurador Geral da República, natural de São João del-Rei e filho do historiador são-joanense Luiz de Melo Alvarenga) disse...
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Dr. Aristides Junqueira Alvarenga (advogado, sócio do escritório Aristides Junqueira Advogados Associados, ex-Procurador Geral da República, natural de São João del-Rei e filho do historiador são-joanense Luiz de Melo Alvarenga) disse...

Caríssimo Braga,
muito agradecido por, mais uma vez, me emocionar ao fazer me lembrar de meu saudoso
pai, que me ensinou a amar meu torrão natal, com seus casarios, igrejas, pontes e chão por onde passou
Tiradentes.
Você é um exemplo de sanjoanense a ser sempre imitado.
Abraço do seu admirador.
Aristides

Nilton Gomes Paz (ex-professor da EAESP-Fundação Getúlio Vargas, consultor financeiro e empresário) disse...

Prezado Francisco Braga,
Tenho lido e me aculturado sobre São João del-Rei no teu blog. Legal a tua
contribuição para a memória, e também desenvolvimento sanjoanense.
Um abraço.
Atte,
Nilton Gomes Paz

Adalberto Guimarães Menezes (Ten Cel, tetraneto do Tiradentes, historiador, membro do IHG-MG, sócio correspondente do IHG de São João del-Rei, autor do livro Parque Histórico Nacional Tiradentes e do opúsculo Comenda da Liberdade e Cidadania) disse...

Prezado e sempre atencioso amigo
Francisco Braga,
inicialmente desejo dar-lhe um abraço e dizer que espero estejam, você e sua família, em plenas paz e saúde. Tenho recebido seus email's ricos em informações e não tenho tido condições de retribuir sua atenção, pois nos últimos três anos minha saúde tem deixado muito a desejar. Tenho muita vontade de voltar a São João para rever os amigos e pedir-lhes que não deixem morrer a ideia do Parque Histórico na Fazenda do Pombal, que mostraria ao Brasil o apreço que Minas Geras tem para com o Patrono Cívico da Nação. Infelizmente, parece-me, que a ideia não tem tido prosseguimento o que é uma grande perda para o civismo e para a presença de Minas Gerais na cultura nacional e também no futuro turístico que tanto promete.

Tenho esperanças de ainda voltar à sua cidade, da qual tanto gosto.

Novamente abraça-o o admirador
Adalberto Guimarães Menezes