domingo, 14 de fevereiro de 2016

HOMENAGEM DA CAS-CORPORAÇÃO ARTÍSTICA SANJOANENSE À SCS-SOCIEDADE DE CONCERTOS SINFÔNICOS EM 1960


COLUNA DE ARTE
A Corporação Artística Sanjoanense homenageia a Sociedade de Concertos Sinfônicos ¹

Repercute ainda na alma sanjoanense o éco do grande sucesso alcançado nas cidades do Sul de Minas pela nossa Sociedade de Concertos Sinfônicos, sem dúvida alguma, a expressão máxima da arte musical do interior de Minas.

São João del-Rei, pelo que de mais representativo possui nos meios artístico e cultural, não regateou os seus aplausos a esta organização que há 30 anos vem mantendo, sem outro interêsse senão o amor à arte, um dos mais ricos marcos da nossa cultura.

Justo pois que a Corporação Artística Sanjoanense, a mais nova entidade artística local ², num espetáculo cujo sucesso se prenuncia jubiloso, venha agora prestar tão simpática quanto justa homenagem à sua co-irmã de arte.

Hoje, dia 26, às 20,30 horas, as portas do nosso Teatro Municipal se abrirão para receber a sociedade sanjoanense que com a sua presença e os seus aplausos virá prestigiar esta homenagem à nossa querida Sinfônica.

A "Corporação Artística Sanjoanense" preparou-se carinhosamente para esta homenagem, e assim apresentará o seu Grande Coral e sua orquestra em números selecionados quer no estilo folclórico, quer lírico, ensejando à sociedade sanjoanense a oportunidade de assistir um verdadeiro espetáculo artístico cultural.

Tendo em vista a simpática finalidade dêste espetáculo é de crer-se que o nosso Teatro Municipal apresentará hoje uma das suas grandes noitadas de arte.

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, Ano XXIII, nº 6.578, 26 de outubro de 1960, p. 4.


COLUNA DE ARTE
Homenagem da C.A.S.  à Sociedade de Concertos Sinfônicos

Prestando justa homenagem à S.C.S., ao ensejo de seu 33º ano de atividades, e em regosijo pelo seu brilhante êxito obtido com a sua excursão ao Sul de Minas, a C.A.S. fez realizar dia 26 de outubro p. findo, às 20,30 horas, no Teatro Municipal, perante numeroso e seleto auditório, um grande concêrto coral, durante o qual, mais uma vez, tiveram os ouvintes e espectadores a oportunidade de aplaudir entusiàsticamente a magnífica apresentação do Grande Coral e sua Orquestra, sob a regência do Sr. Luiz Antônio Bini.

O programa, escolhido com muito gôsto e apurado senso artístico, foi o seguinte:

1ª parte

Benedito Dutra — "Foi o vento... foi a vida"
Benedito Dutra — "Quem canta..."
Fabiano Lozano — "Cascata de risos"
Oswaldo Souza — "Joazeiro"
Fabiano Lozano — "Um grande amor"

2ª parte

Geraldo Barbosa de Souza — Hino da "Corporação Artística Sanjoanense"
R. Leoncavallo — "I Pagliacci" (1º ato) — Coro delle Campane
G. Puccini — "Madame Butterfly" (1º ato) — Côro de Geishas (solo de Mme. Salette Maria Bini)
P. Mascagni — "Cavalleria Rusticana" (ato único) — Côro da Páscoa (solo de Mme. Salette Maria Bini
G. Verdi — "Il Trovatore"(3º ato) — Or co' dadi, ma fra poco
G. Verdi — "Aida" (2º ato) — Gloria all'Egitto (Marcha final)

Os solos vocais estiveram sôb a responsabilidade do aplaudido soprano Sra. Salette Maria Bini cuja apresentação é sempre recebida pelos ouvintes da boa música com satisfação. A sua interpretação do solo de Madame Butterfly atingiu o climax dessa audição exigindo o grande público do Municipal a sua repetição sôb calorosos aplausos. Fazemos votos pela sua aparição mais frequente.

Embora excelente a apresentação do Grande Coral e de sua incipiente Orquestra, levando-se em conta o tempo curto ainda de suas atividades artísticas, oportuna se faz uma sugestão — a necessidade da direção da C.A.S. providenciar a arregimentação de elementos masculinos (baixos, principalmente), pois é notável uma acentuada superioridade das vozes femininas, aliás ótimas, sôbre as vozes masculinas.

Quanto à Orquestra, considerando-se o número de vozes mistas, torna-se necessário reforçá-la com novos elementos. Obtido isto, a Corporação Artística Sanjoanense pode orgulhar-se de nivelar-se aos melhores corais existentes no Brasil.

Observa-se que "entusiásmo" e "vontade" não faltam aos seus integrantes. Necessário é que compreendam a grandeza do que estão realizando e dos sacrifícios e renúncias de que deverão prevenir-se para que tão grande obra não pereça ante as investidas da incompreensão e da intriga. Pois a Corporação Artística Sanjoanense está, também, prestando um inestimável serviço à arte musical de São João del-Rei.

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, Ano XXIII, nº 6.584, edição de 3 de novembro de 1960, p. 2.


NOTAS  EXPLICATIVAS


¹  O Blog de São João del-Rei já publicou uma reportagem de José do Carmo Barbosa, intitulada "Uma Cidade Vive Há dois Séculos Mergulhada nas Ondas Musicais", publicada no CORREIO DA MANHÃ, Ano LX, nº 20740, edição de 4 de novembro de 1960, que trata dessas duas entidades artísticas são-joanenses. Cf. in http://saojoaodel-rei.blogspot.com.br/2014/12/uma-cidade-vive-ha-2-seculos-mergulhada.html

²  O DIÁRIO DO COMÉRCIO, em sua edição nº 6281, de 12 de agosto de 1959, noticiou a instalação da C.A.S.-Corporação Artística Sanjoanense, com a seguinte matéria: 


"Instala-se solenemente a "Corporação Artística Sanjoanense"

Num ambiente de arte e elegância, instalou-se domingo p.p. (09/08/1959) a nova entidade artística com que passará a contar a cidade – a "CORPORAÇÃO ARTÍSTICA SANJOANENSE"  cuja finalidade é congregar moços e moças, amantes da arte, para o cultivo e a prática do Canto, incentivando na mocidade o gôsto pelo bel-canto e pelo nosso folclore.
À solenidade, que teve lugar no salão de festas do Minas F. C., gentilmente cedido pela sua diretoria, compareceu quasi a totalidade dos fundadores da C.A.S., além de pessoas gradas da nossa sociedade. O ato foi presidido pelo prof. José Pedro Leite de Carvalho, representante do Revmo. Pe. Osvaldo Torga, Prefeito do município, vendo-se ainda à mesa os Snrs. jornalista Mozart Novaes, presidente da Câmara; Carmélio de Assis Pereira, vice-prefeito; Revmo. Pe Luiz Zver, presidente do Centro Artístico e Cultural de São João del-Rei, além dos membros eleitos para a Diretoria da Corporação Artística Sanjoanense.
Iniciando os trabalhos da sessão, o presidente deu a palavra ao Sr. Luiz Antonio Bini que expôs o programa da neo-sociedade, terminando a sua oração colocando a C.A.S. a serviço da cidade e das demais corporações artísticas. A seguir, a srta. Nancy Assis declamou belíssimo poema "Lembrai-vos da Guerra".
A palavra seguinte coube ao orador oficial da sociedade prof. J. do Carmo Barbosa que lembrou aos moços o poder da abnegação no êxito de empreendimento daquela natureza. 
Encerrando a solenidade de posse da Diretoria, falou o Sr. Mozart Novaes para congratular-se com a cidade pelo surto maravilhoso de progresso intelectual e artístico que a empolga.
Seguiu-se a parte artística da festividade que constou do seguinte: Puccini: Recondita Armonia (Tosca), José Costa; Pestalozza: Ciribiribin, Srta. Niva Guimarães; Gottschalk: Radieuse, piano a 4 mãos, profª. Mercês Bini Couto e Abgar Campos Tirado; Alfonso S. Oteo: Dime que si, tenor Vicente Viegas; A. Sedas: Cielito Lindo, soprano Sra. Lêda Neto Zarur; Puccini: Valsa de Musetta (La Bohème), soprano Salete Maria da Silva Bini.
É a seguinte a diretoria da C.A.S.: presidente, Sr. Luiz Antônio Bini; vice-presidente, Antônio Moura; 1º secretário, profª Maria Marlene de Resende; 2º secretário, profª Maria Luiza Vieira; 1º tesoureiro, Vicente de P. Barbosa Viegas; 2º tesoureiro, Abgar A. Campos Tirado; 1º procurador, Geraldo Barbosa de Souza; 2º procurador, José Raimundo de Arruda.
Conselho Artístico: professora Mercês Bini Couto; professora Salete Maria da Silva Bini e prof. João Américo da Costa.
Diário do Comércio fez-se representar nessa solenidade marcante do progresso cultural e artístico da cidade."

Também o jornal são-joanense O CORREIO, em edição nº 2971, do dia 16 de agosto de 1959,  fez a seguinte cobertura da solenidade de instalação da C.A.S.:



"Coluna de Arte
                                 Gagliero

Empossou-se domingo p. passado a diretoria da Corporação Artística Sanjoanense recentemente fundada por um grupo de moços e moças idealistas.
A solenidade realizou-se às 10,30 horas no salão de recepções do Minas F. C., gentilmente cedido pela sua diretoria, perante seleta assistência constituída de pessoas gradas da sociedade local e de um grande número de componentes da neo-organização artística. (...)
Usou da palavra inicialmente o senhor Luiz Antonio Bini, presidente eleito, que focalizou as finalidades da nova entidade e o seu propósito de colaborar com as demais organizações artísticas para maior incremento da música em nossa cidade, declarando não haver solução de continuidade entre a Corporação Artística Sanjoanense e as suas co-irmãs. Como orador oficial da C.A.S. falou o prof. J. do Carmo Barbosa saudando os seus organizadores e apontando-lhes como condição precípua para a sua completa finalidade o espírito de abnegação que deve animar tôdos os seus integrantes e ressaltando a responsabilidade moral que assumiam no setor artístico da cidade.
O senhor Mozart Novais, presidente da Câmara, em belo improviso, focalizou o progresso cultural e artístico que nêstes últimos dias vem se desenvolvendo na cidade, congratulando-se com os jovens pelo belo exemplo que vêm dando com o seu interesse pela arte nesta comuna.
A Corporação Artística Sanjoanense, comprovando a sua elevada e simpática finalidade, ofereceu aos presentes magnífica hora de arte com o seguinte programa: (...)


A 1ª Diretoria da C.A.S. ficou assim constituída: presidente de honra efetivo, Revmo. Pe. Luiz Zver SDB; presidentes de honra honorários: Dr. Tancredo de Almeida Neves, Dr. Gabriel de Rezende Passos, Marechal Ciro do Espirito Santo Cardoso e General Luiz de Faria; presidente, Luiz Antonio Bini; (...)." 


OBSERVAÇÃO


Em todos os textos acima foi mantida a grafia original. 

domingo, 7 de fevereiro de 2016

CHICO BRUGUDUM, TIPO PITORESCO DO CARNAVAL SÃO-JOANENSE


Por Gentil Palhares


I.  CHICO BRUGUDUM E O CARNAVAL
Quando o JUIZ SUPREMO chamou a SEU Regaço a Francisco Chagas, o Chico Brugudum, como era conhecido nesta cidade, encontrávamo-nos na fase conturbada da Segunda Guerra Mundial. Deixou-nos sem ruído, sorrateiro e manso, ao contrário da sua existência, que fora barulhenta, ruidosa.

Chico Brugudum, naquela sua filosofia, era um tipo popular diferente dos que viveram nesta cidade, tais como o Marieta, "Zé da Carne", Luís Bocarra, a Muda e a "Tororó Pão-Duro". O Chico freqüentava as igrejas, arranhava mesmo o latim, conhecia a história política de nossa terra, fatos aqui desenrolados com esse ou aquele cidadão, fatos que, chistosa e zombeteiramente, narrava pelas ruas. "Sei de tudo, conheço os particulares" — afirmava ele.

Como chave da existência, os pais do Chico deram-lhe, em menino, o ofício de carpinteiro, mas não se ajeitando com a profissão compulsória, jamais levou a sério a enxó e o serrote. Preferia os botequins, onde não apenas bebericava, como também ia aprendendo a verrumar as pessoas, sobretudo as honestas, irreverente com as autoridades, as quais, a seu modo, se comprazia em ridicularizar:
"Era!... ladroeira!... ladrão... Jehudiel ladrão, Delegado ladrão!... " Era o que se ouvia, isso, às vezes na ausência da pessoa e vezes outras nas bochechas, na cara do sujeito.

O que o Chico Brugudum sentia era como que um desprezo pelas coisas da vida, sobretudo dos homens, externando no seu praguejar surdo, contundente, o que lhe ia por dentro, daí a reação. Arrastando-se pelas paredes, sempre tonto, desfilava todo o fel da sua mordacidade, acusando, ferindo, apontando "ladroeiras", conquanto irradiando do semblante a expressão da bondade, daí o ser estimado de todos, que viam nele, sob o vitupério, a criatura boa, inofensiva na extensão da palavra. Que lhe não mexessem com a boca, porque, então, desfiava uma série de nomes evidentemente honrados, dignos, cidadãos conspícuos, mas "ladrões, ladrões!" — afirmava ele em altas vozes, praguejando, maldizendo pelas ruas da cidade.

Chico Brugudum nasceu na terra são-joanense, que ele viu transformar-se, de burgo, em florescente comuna, até a sua época de existência terrena. Ajudou no ofício de acender os lampiões das esquinas, das praças e das pontes, e viu, muitas vezes, os carros-de-bois gemendo no seu canto triste, "Lenheiro" abaixo; viu as lavadeiras no seu mister pelos chafarizes públicos, nos Largos Tamandaré, Mercês, Rosário, Carmo e Prainha.

Ao deixar esta vida, não sabemos se levara na paz do coração o Dr. Antônio Viegas e o Jehudiel Torga, íntegros cidadãos aos quais, entretanto, não perdoava com o seu xingatório e as suas já conhecidas expressões.

Havia uma época em que ele mais se expandia: era pelo Carnaval, quando as criaturas, — dizem as línguas verrinosas — tiram a máscara que usam fingidamente, para colocar a que verdadeiramente deveriam usar. O Chico sabia disso e valia-se dos três dias entregues à folia, para afirmar, alto e bom som, por todos os lados:
"Ladrões! Ladrões! Ladroeira!..."

A "ladroeira", nesse caso, na sua filosofia, era referente ao descaso que, nos três dias de MOMO, todos dão aos preceitos da honestidade, da honra e como se estivesse tudo errado. E, no entanto, não era Chico Brugudum um indiferente ao Carnaval, nada disso, pelo contrário, era um autêntico folião, organizador do "Zé Pereira" e do célebre "CLUBE ZERO", para cujas fileiras arrebanhava ele toda a garotada das ruas e os homens dos botequins que ia encontrando. A fantasia era uma horrorosa máscara e um muito sujo e velho saco de aniagem colocado nas costas. A meninada que não podia comprar máscara, porque o dinheiro que o Chico arrecadara já ele o havia "bebibo" todo, ia assobiando e gritando, batendo nas latas velhas, como se fossem cuícas e pandeiros.

Era assim que o préstito percorria as ruas da cidade, ostentando um pavilhão alçado pelo Chico, no qual se lia, no pixe ou no carvão:
"BLOCO ZERO! VIVA O BLOCO ZERO! VIVA O BLOCO ZERO!"

O povo, contudo, chamava-lhe, muito acertadamente, "BLOCO DOS SUJOS", porque os que não ostentavam máscara e nem fantasia, lambuzavam a cara e as roupas maltrapilhas com carvão. Formavam, assim, uma farândola de verdadeiros vagabundos, os quais eram comandados pelo Chico Brugudum, no dia mais feliz da sua vida, porque sentia que a ele muitos se nivelavam, olvidando os preconceitos, pessoas de todas as camadas sociais. E é por isso que, todos os anos, quando pelo Carnaval ouço o som das cuícas, o gemido surdo das caixas, o trinado das cornetas, me vem ao pensamento a figura mansa e boa do Chico Brugudum, com aquela sua franqueza, dizendo "verdades", apontando "ladroeiras", na cara, na bochecha dos homens, sobretudo dos que mais primam pela honradez e austeridade em nosso meio, em nossa sociedade, como os excelentes Jehudiel Torga, Augusto e Antônio Viegas.

Foi destemido o Chico Brugudum no seu julgamento, arrastando uma das pernas, gingando o corpo, correndo as mãos pelas paredes e mais arrastando, ainda, o seu sofrimento, a sua dor, que ele levou consigo, na morte, mas positivo e franco, afirmando sempre:
"Era Ladroeira! — ladroeira!..."
"Todo mundo é ladrão!..."

Fonte: PALHARES, Gentil: São João del-Rei na Crônica, p. 63-65.


II.  AGRADECIMENTO


O Blog de São João del-Rei vem agradecer ao historiador Silvério Parada, do IHG de São João del-Rei, sua oferta espontânea da foto de Chico Brugudum de seu acervo para enriquecimento deste post.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

A VELHA "TORCIDA" DO MINAS (EM HOMENAGEM AO 1º CENTENÁRIO DO MINAS FUTEBOL CLUBE, O "GLORIOSO" LEÃO DA BIQUINHA (15/08/1916-15/08/2016))


Por Paulo Christófaro e Gentil Palhares ¹


Da monografia, que será publicada pelo   
44º aniversário do Minas (1916-1960).
Monografia publicada para a comemoração do 44º aniversário do 
MINAS FUTEBOL CLUBE (1960). Crédito: Silvério Parada

Foi sempre renitente e incontrolável a velha "torcida" do Minas. Conquanto não constitua um privilégio do "BIQUINHA", a sua "torcida" se reveste de aspectos interessantes e pitorescos, só encontrados, senão excepcionalmente, no "MENGO" da Guanabara, que ostenta também essa mesma vibração e entusiasmo populares, para ser o "MAIS QUERIDO".

Eis porque evocamos aqui, numa lembrança carinhosa, porque bem mineira, o velho SINFRÔNIO, sempre prometendo furar 20 gôlos de um só chute, gritando atráz do goleiro adversário, "para atrapalhar", dizia êle na sua fala complicada. Morador daquelas redondezas do campo mineiro, tendo mesmo nascido lá pelo Tijuco, não poderia o Sinfrônio deixar de ser um adépto fervoroso do "BIQUINHA". E foi um dos seus maiores e legítimos "torcedores", qualquer coisa de "patrimônio humano" do clube, daí o direito adquirido de entrar no campo, sem pagar.

Ainda em saudosa evocação nos é caro trazermos à tona, quando tudo já passou e não volta mais, as figuras queridas de VICENTE LOBOSQUE, ANTÔNIO ROSA E PAULO ALVARENGA. O primeiro, que jamais se fazia prescindir do seu chapéu e da sua bengala, dotado de temperamento nervoso, nunca espiava "bater" uma penalidade máxima, fôsse a favor ou contra o Minas. Na hora precisa virava as costas, punha a bengala em ombro-arma e esperava; logo após o apito do juiz, se a torcida mineira começava a gritar, aí então êle se voltava para o campo e brandia a bengala a torto e a direito, gritando, gesticulando, dando vivas ao Minas. Mudo, quieto, andando pra lá, pra cá, ficava entretanto o nosso VICENTE quando, batida a penalidade contra o "BIQUINHA", ouvia o apito do juiz anunciando o gôl. Virava-se para o campo e não conversava. Tinha-se a impressão de que seu coração um dia estouraria, morreria no campo. Foi um grande mineiro o VICENTE LOBOSQUE!

ANTÔNIO ROSA, ex-Presidente do Minas e que foi morrer lá pela longínqua cidade de Formiga, era um torcedor inconformado. Ou por não conhecer lá muito bem as regras do futebol, ou por malícia, para ANTÔNIO ROSA, quase todo gôl contra o Minas era de "off-side". Nervoso, voz forte, movimentava-se em redor do campo, gritando, protestando, espumando de raiva. Não aceitava nem mesmo a ponderação de seus companheiros mais prudentes, os quais tudo faziam para contê-lo. E não tinha conversa: "LADRÃO! LADRÃO! Bota o juiz prá fóra!" "JUIZ LADRÃO!" Assim defendeu o MINAS, com seu corpo muito grande e maior ainda o seu amor pelo clube, aquêle que em vida se chamou ANTÔNIO ROSA.

PAULO ALVARENGA, também mineiro de sete costados, comandava o seu batalhão de meninos, que recebiam o "soldo" de um tostão, para que, empunhando ramos e bambús, que eram agitados durante todo o tempo do jôgo, torcerem em alaridos ruidosos. Postava o seu "batalhão" em cima do barranco, bem perto da bandeira do Minas, como se para defendê-la e, personificando a verdadeira figura do CHEFE, comandava Paulo Alvarenga com vozes e gestos, subindo ou descendo mais o barranco, avançando ou recuando, gritando, impetuoso, agressivo, como se fossem todos, Chefe e comandados os personagens de uma batalha. PAULO ALVARENGA, quando percebia que o seu batalhão estava demonstrando enfraquecimento em suas fileiras, entoava o "grito de guerra", verdadeiro brado do orientador:

"Eu virei tico-tico,
Eu virei sabiá,
Eu virei o ...
De pernas pro ar...
"


Dessa "torcida" belicosa, hoje extinta, para tornar-se um futebol todo diferente, com suas "charangas" e seus rancores inexplicáveis, o que não se dava naquêles tempos, mas tão sòmente os impulsos no momento do jôgo; dessa "torcida" que foi muito da vida do nosso primitivo futebol, fazia parte ainda o XAXÁ, antigo carroceiro. Era êle forte e resoluto, valente mesmo, "lugar-tenente" do PAULO ALVARENGA. O XAXÁ também já morreu, foi fazer companhia ao VICENTE LOBOSQUE e ao ANTÔNIO ROSA, seguido depois do nosso PAULO. E lá estão êles, VICENTE, PAULO, ANTÔNIO ROSA e XAXÁ, quatro mineiros valentes à espera do SINFRÔNIO!


Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, Ano XXIII, nº 6.518, edição de 21 de julho de 1960, p. 4.


NOTAS  EXPLICATIVAS, por Francisco José dos Santos Braga


¹  Embora a matéria do Diário de Comércio tenha sido assinada por Gentil Palhares, com pequenas alterações de menor monta em relação ao texto que saiu na monografia intitulada "1916 - MFC - 1960 - 15 de agôsto - O MINAS FUTEBOL CLUBE NO SEU 44º ANIVERSÁRIO" (editada como suplemento de "O Santuário de S. João Bosco" - Número comemorativo do 44º aniversário), esta foi assinada a quatro mãos, em coautoria. São seus autores: Paulo Christófaro e Gentil Palhares. O texto de "A velha 'torcida' do Minas" está estampado nas páginas 26 e 27 da monografia. 

No prefácio intitulado "Explicando", constante da página 1, os coautores fazem a seguinte apresentação do seu trabalho:


EXPLICANDO 
A presente monografia do MINAS FUTEBOL CLUBE, editada no 44º aniversário de sua fundação é um pequeno subsídio para que, mais tarde, quando do cinquentenário do Clube, seja editada uma obra de fôlego, condigna com o acontecimento. 
O que foi dado historiar está nos arquivos, velhos documentos que o tempo, de foice em punho, vai consumindo ou desbastando, dificultando dest'arte uma investigação eficiente. 
Algumas informações nos vieram de fonte oral, pelos conhecedores da vida do clube. 
Recebendo a incumbência do nosso Presidente Dr. Luiz Natali Baccarini, para apresentarmos o pequeno trabalho ora dado à publicidade, sòmente tivemos uma vaidade: a de podermos ser úteis ao MINAS FUTEBOL CLUBE e à nossa S. João del-Rei. 
Cabe-nos, pois, agradecer a todos aqueles que, direta ou indiretamente, cooperaram para a consecução desse modesto trabalho, o primeiro, aliás, que o MINAS publica.     
                Paulo Christófaro                          Gentil Palhares



AGRADECIMENTO


O Blog de São João del-Rei vem agradecer ao historiador Silvério Parada, do IHG de São João del-Rei, a cessão da foto da revista comemorativa no 44º Aniversário (1916-1960) do Minas Futebol Clube de seu acervo para enriquecimento deste post.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

A RUA "DR. MATHEUS SALOMÉ"


Por Gentil Palhares


Alguém já escreveu que as casas e as ruas têm, como as criaturas, o seu destino traçado. E têm mesmo. O destino da rua "Dr. Matheus Salomé" foi o de ser bonita. Já nasceu bonita. Como nasceu feia a rua em que eu moro, a "Rezende Costa", com suas casas coloniais amparadas umas às outras, numa proteção mútua, varando os anos, os séculos. 

Não tem mais de 100 metros de comprimento a rua "Dr. Matheus Salomé". É a menor da cidade e a mais estreita. E se São João del-Rei possui uma rua asfaltada, aquela é mais do que isso: é cimentado o seu piso. Lá não passam as carroças, nem passeiam os bois ou cavalos nas suas fugas, nem deslisam automóveis. É uma rua diferente, rua particular, tem dono, não é da municipalidade, é dos seus moradores, que se congregam naquela meia dúzia de casas formando uma só família. Parece que tudo ali foi feito de encomenda, sob medida, com enfeites comprados por mãos femininas, para enxoval rico de moça rica e bonita.

Foi nessa rua faceira que há dias as famílias se reuniram, se cotizaram, para engalanarem-na a caráter, com tudo que lembra a beleza simples da vida roceira. E com fogueira e fogos, cantaram versos a São Pedro. No dizer de todos, foi uma das festas mais pitorescas da cidade, no gênero das comemorações juninas. E vai repetir-se todos os anos, porque todos gostaram, admiraram a profusão de luzes (até a Cemig cooperou), o apuro na organização da festa, a alegria dos corações, o encantamento derramado em tudo, nas pessoas e nas coisas, naquela noite fria, a mais fria do ano!

Convidado, mas sem poder comparecer, tomando conhecimento dessa "tertúlia", meu pensamento voou para aquêle que deu nome à rua, para o excelente Matheus Salomé, que por ser tão bom não ficou neste mundo. Foi então que o vi sorrindo, gargalhando mesmo, feliz vendo a sua rua enfeitada, festiva, alegre!

Busto do advogado e deputado estadual Matheus Salomé de Oliveira (1907-1955), natural de Cláudio-MG, na Praça Severiano de Resende, mais conhecida como "Largo Tamandaré", em São João del-Rei (foto de 1982)

Matheus Salomé, modesto e simples, foi em vida um dos maiores homens da cidade, no físico, nos sentimentos. Deram-lhe, "post mortem", como homenagem, carinhosa embora, a menor rua de S. João del-Rei. Um contraste, inegàvelmente, mas que se desfaz e se harmoniza, para a justeza das coisas, por isso que a ruazinha se esconde, se retrai, na sua beleza discreta, como soube ser bela e discreta a alma daquêle que lhe deu o nome.

Há, na rua "Dr. Matheus Salomé", elementos de tôdas as bandeiras políticas e de agremiações esportivas da cidade. E é uma rua cosmopolita das ciências e das profissões, onde há médicos, advogados, engenheiros, militares, industriais, homens ricos e pobres, formando um núcleo de cidadãos prestantes à cidade. Pois bem, há poucos dias, a ruazinha confundiu as siglas dos partidos políticos, os nomes dos clubes da cidade, para nas comemorações dos festejos mais singelos de cada ano, fazer subir rojões a São Pedro e, pela voz das crianças, chegar até aos céus, por entre danças e ruídos, os cânticos alegres daqui da terra.

Só mesmo Matheus Salomé, gigante no físico e nos sentimentos d'alma, poderia entrelaçar aqui na terra, pela magia que tem a sua rua pequenina e bonita, os corações dos homens conturbados nas asperezas dessa vida tão cheia de incompreensão!

Só mesmo a fôrça daquele nome poderia, como se num milagre, fazer daquela rua um doce recanto de paz e de harmonia, paz nos corações, harmonia nos espíritos!... 

Fonte: DIÁRIO DO COMÉRCIO, São João del-Rei, Ano XXIII, nº 6.507, edição de 7 de julho de 1960, p. 2.